Cadê e variantes: gramaticalização em língua portuguesa

Odete Pereira da Silva Menon

Resumo


A gramaticalização da frase “Que é feito de fulano?”, passando por “Que é de fulano?” resultou em “Que é de?”, seguida da contração entre a vogal do pronome e o verbo (que é > qué) “Qu’é de?” > “Quede?”, forma contracta empregada por Sá de Miranda, nascido em 1481 (trata-se, portanto, de forma já em uso na segunda metade do século XV) . Depois, esse quede adquire acento na última sílaba, provavelmente devido ao fato de ocorrer isolado, em fim de frase, na repetição enfática, onde recebe acento frasal (de intensidade três, contra a intensidade um, de vocábulo): “Quede o chapéu? Quedê?”. Por meio da retomada anafórica “Que é feito dele?”, reduzida para “Que é dele?”, resulta outra variante: quedele. Aparentemente, a variante cadê tem tido um uso mais corrente no Brasil, o que leva muita gente a afirmar que se trata de um brasileirismo. No entanto, as outras variantes – quede / quedê ou quedele / cadele – são empregadas em diferentes partes do país e algumas delas podem ser encontradas em textos do português europeu de diferentes épocas.

The grammaticalization of the sentence “Que é feito de fulano?” became “Que é de fulano?” (“What about so-and-so?” “Where is so-and-so?”) and resulted in “Que é de?”, followed by the contraction of the pronoun’s vowel and the verb (que é > qué) “Qu’é de?” > “Quede?”, a contracted form used by Sá de Miranda, born in 1481 (it is, thus, a form currently used in the second half of the 15th century). Then, quede starts to be stressed in its last syllable, probably due to this being alone at the end of a sentence, in an emphatic repetition context, where it receives phrasal stress – whose intensity (3) is higher than that of a phonological word (1): “Quede o chapéu? Quedê?”. By the anaphora “Que é feito dele?” reduced to “Que é dele?”, which resulted in another variant: quedele. Apparently, the variant cadê has been more widely used in Brazil, what takes many people to claim it is a “brasileirismo” (a typical feature of Brazilian Portuguese). Nevertheless, the other variants – quede / quedê or quedele / cadele – are used in different parts of the country and some of them may also be found in European Portuguese texts of different centuries.


Palavras-chave


cadê e variantes; gramaticalização, variação e mudança; história do português; cadê and variants; grammaticalization; variation and change; history of Portuguese language

Texto completo:

PDF

Referências


ÁLVARES, A. Auto de Santo António. Pref., notas e glossário do Prof. Almeida Lucas. Lisboa: Edição da ‘Revista de Portugal’, 1948.

ARAUJO, L. de. Contos e historias. Lisboa: Typographia Universal, 1871.

Auto de Dom André. Texto de autor anónimo quinhentista. Leit., apres., regul., notas e glossário por Maria José Palla. Lisboa: INCM, 1993.

Autos e comédias portuguesas por Antonio Prestes, Luis de Camões e outros autores portugueses. (Lisboa, 1587). Edição facsimilada. Pref. De Hernâni Cidade. Nota bibliog. José V. de Pina Martins. Lisboa: Lysia, 1973.

BACK, E.; MATTOS, G. Gramática construtural da língua portuguesa. São Paulo: FTD, 1972.

BUESCU, M. L. C. Monsanto: etnografia e linguagem. 2. ed. Lisboa: Presença, 1984 [1958].

CAMÕES, L. de. Auto chamado de Filodemo. In: Autos e comédias portuguesas por Antonio Prestes, Luis de Camões e outros autores portugueses. (Lisboa, 1587). Edição facsimilada. Pref. de Hernâni Cidade. Nota bibliog. José V. de Pina Martins. Lisboa: Lysia, 1973. f. 144r. a 162v.

DIEWALD, G. The catalytic function of constructional restrictions in grammaticalization. In: VERHOEVEN, E. et al. (Ed.). Studies on grammaticalization. Berlin/New York: Mouton de Gruyter, 2008. p. 219-239.

DIEWALD, G.; SMIRNOVA, E. Paradigmatic integration: the fourth stage in an expanded grammaticalization scenario. In: DAVIDSE, K. et al. (Ed.). Grammaticalization and language change: new reflections. Amsterdam/Philadelphia: John Benjamins, 2012. p. 111-133.

FERREIRA, A. B. de H. Novo dicionário da língua portuguesa. 1. ed. 11. impr. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1975.

FLORÊNCIO, M. Dialecto alentejano: contributos para o seu estudo. 2. ed. Lisboa: Colibri, 2005 [2001].

HEINE, B. et al. From cognition to grammar: evidence from African languages. In: TRAUGOTT, E.; HEINE, B. (Ed.). Approaches to grammaticalization. Amsterdam/Philadelphia: John Benjamins, 1991. V. I: Focus on theoretical and methodological issues, p. 149-187.

HEINE, B.; CLAUDI, U. On the rise of grammatical categories. Some examples from Maa. Berlin: Dietrich Reimer, 1986.

HOPPER, P. J.; TRAUGOTT, E. C. Grammaticalization. Cambridge: CUP, 1993.

HOUAISS, A. Dicionário houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.

KURYLOWICZ, J. The evolution of grammatical categories. In: _____. Esquisses Linguistiques. München: Wilhelm Fink Verlag, 1975. V. II, p. 38-54.

LEHMANN, C. Thoughts on grammaticalization: a programmatic sketch. Köln: Universität zu Köln, Institut für Sprachwissenschaft, 1982. (Arbeiten des Kölner Universalien-Projekts, 48). V. 1.

LEITE, F. J. M. Grammatica portugueza dos lyceus: em que se contém toda a doutrina exigida pelo ultimo programma official, organisado pelo Conselho d’Instrucção Publica. Porto: Civilisação, 1887.

LI, C. N. Synchrony vs. diachrony in language structure. Language, Baltimore, v. 51, n. 4, p. 873-886, 1975.

LICHTENBERK, F. On the gradualness of grammaticalization. In: TRAUGOTT, E.; HEINE, B. (Ed.) Approaches to grammaticalization. Amsterdam/Philadelphia: Benjamins. 1991. V. I: Focus on theoretical and methodological issues, p. 37-80.

LISBOA, E. (Coord.) Dicionário cronológico de autores portugueses. Organizado pelo Instituto Português do Livro. Mem Martins: Publicações Europa-América, 1985. V. I.

MEILLET, A. L’évolution des formes grammaticales. In: MEILLET, A. Linguistique historique et linguistique générale. Réimpression de l’édition de Paris, 1975. Genève/Paris: Slatkine/Champion, 1982. p. 130-148.

MELLO MORAES FILHO. O Bumba-meu-boi. In: PADILHA, V. Os roceiros. Rio de Janeiro: Livraria do Povo, 1899. p. 183-191.

MENON, O. P. S. Cadê / Quedê você? Londrina, 2014. (Comunicação apresentada na mesa-redonda Morfologia do III CIDS: Congresso Internacional de Dialetologia e Sociolinguística, realizado na Universidade Estadual de Londrina, em Londrina, entre 7 e 10 de outubro de 2014).

MENON, O. P. S. Desde quando existe chuá em português? Valencia, 2010. (Comunicação apresentada no 26è. SILFR: Congrés Internacional de Lingüística i Filologia Romàniques, realizado na Universitat de València, em Valência, entre 6 e 11 de setembro de 2010).

MENON, O. P. S. Vogais? chuá ... chuá ... João Pessoa, 2007. (Comunicação apresentada no I SIS Vogais, realizado na Universidade Federal da Paraíba, em João Pessoa, entre 15 a 17 de novembro de 2007).

PALMA-FERREIRA, J. Novelistas e contistas portugueses do século XVI. Pref., selecção e notas de João Palma-Ferreira. Lisboa: INCM, 1982.

SÁ DE MIRANDA, F. de. Obras completas. 3. ed. Texto fixado, notas e pref. pelo prof. M. Rodrigues Lapa. Lisboa: Sá da Costa, 1960. V. I.

SAID ALI, M. Gramática secundária e Gramática histórica da língua portuguêsa. Ed. rev. e atual. Brasília: Ed. da UnB, 1964.

TEATRO português do século XVI. Introd. e edição de José Camões. Lisboa: INCM, 2007. V. I, Teatro Profano, T. I.

TEATRO português do século XVI. Introd. e edição de José Camões. Lisboa: INCM, 2010. V. I, Teatro Profano, T. II.

TRAUGOTT, E.; HEINE, B. (eds.) Approaches to grammaticalization. Amsterdam/Philadelphia: Benjamins, 1991. V. I: Focus on theoretical and methodological issues.

VASCONCELLOS, J. F. de. Comédia Eufrosina. Conf. a impressão de 1561, publ. por ordem da Academia das Sciências de Lisboa. Ed. de Aubrey D. G. Bell. Lisboa: Imprensa Nacional, 1918. [1555]

VASCONCELOS, J. L. de. Esquisse d’une dialectologie portugaise. Lisboa/Paris: Aillaud & Cia, 1901.




DOI: http://dx.doi.org/10.17851/2238-3824.19.2.99-130

Apontamentos

  • Não há apontamentos.


Direitos autorais 2014 Odete Pereira da Silva Menon