CHAMADA PARA ARTIGOS / CALL FOR PAPERS: O Eixo e a Roda v. 33, n. 4 (2024) Dossiê: Baudelaire no Brasil: dos primeiros baudelairianos ao contemporâneo

Baudelaire no Brasil: dos primeiros baudelairianos ao contemporâneo

“Com Baudelaire a poesia francesa sai enfim das fronteiras da nação”, escreve Paul Valéry (2019, p. 626), em “Situação de Baudelaire” (1924). De fato, o impacto da obra do poeta de As flores do Mal se faz sentir em diversas literaturas. Em 2011, um grande colóquio (“Baudelaire dans le monde”) realizado em Paris tratou de reunir estudiosos de diversas partes do planeta com o intuito de oferecer um panorama geral da presença de Baudelaire mundo afora. O mapa traçado nesse encontro compreendeu países e regiões tão diversos quanto Brasil, China, Hungria, Espanha, Itália, Romênia, Irã, Escandinávia, EUA e Alemanha. Alguns dos textos apresentados naquela ocasião foram reunidos por André Guyaux no número 21 da revista L’année Baudelaire (2017). Em todos os casos discutidos, destacaram-se a variedade das facetas do próprio Baudelaire e algum tipo de impacto, por menor que seja, sobre o sistema literário do receptor.

Vejamos o caso o brasileiro. Baudelaire começa a ser lido na década de 1850, antes mesmo da publicação de Les fleurs du Mal (1857), e traduzido no início dos anos 1870, pouco tempo após a morte do poeta, que acontece em 1867. A tradução de sua obra poética inicia-se, pelo que se sabe, em 1872, dando início a uma longa série de traduções que se estende até o presente (a poesia e a prosa de Baudelaire por Júlio Castañon Guimarães são, respectivamente, de 2019 e 2023). Já os primeiros impactos visíveis sobre a poesia brasileira datam igualmente daquele momento, marcado pela recusa radical do romantismo e pela adesão a um tipo de realismo “demasiado cru”, que, convenhamos, tem muito pouco a ver com Baudelaire. Ele mesmo tratou o termo realista de “grossière epithète”. Machado de Assis foi o primeiro a reconhecê-lo, como se sabe, num artigo intitulado “A nova geração”, publicado na Revista Brasileira em 1879. “Quanto a Baudelaire, escreve Machado, não sei se diga que a imitação é mais intencional do que feliz. O tom dos imitadores é demasiado cru; e aliás não é outra a tradição de Baudelaire entre nós. Tradição errônea. Satânico, vá; mas realista o autor de D. Juan aux Enfers e Tristesses de la Lune!” A despeito do caráter “grosseiro” das imitações, é preciso reconhecer, como o faz Antonio Candido, no incontornável ensaio “Os primeiros baudelairianos” (1989), que a exploração da face maldita, satânica, erótico-selvagem do poeta francês representou uma mudança de tom na poesia brasileira, possibilitando uma ruptura tanto estética quanto moral com o romantismo.

Se o primeiro Baudelaire a desembarcar no Brasil foi o rebelde poeta da carniça, do amor-devoração e dos louvores a satã, é preciso reconhecer que outras de suas facetas seriam igualmente exploradas. Para os simbolistas, o poeta das correspondências e dos poemas em prosa; para os modernistas, o poeta da cidade e da mistura de estilos; para a geração de 45, o poeta do soneto, do rigor formal. Baudelaire permanece importante para a poesia das décadas seguintes. Pensemos na experiência urbana de Roberto Piva, no erotismo de Hilda Hilst, nas referências diretas à sua obra em Sebastião Uchoa Leite, Carlito Azevedo, Paulo Henriques Britto, nos poetas que o traduziram recentemente (Ivan Junqueira e Júlio Castañon Guimarães) e naqueles que recriaram sua poesia (às vezes de maneira radical), incorporando-a, em certa medida, a suas próprias poéticas (Ana Cristina Cesar, Marcos Siscar, Álvaro Faleiros). A partir da segunda metade do século XX, a presença de Baudelaire parece ocorrer menos na epiderme estilística dos textos que nas afinidades temáticas e, principalmente, nos problemas teóricos compartilhados com ele: a questão do leitor e do endereçamento, a questão do lirismo, a questão da prosa ou dos limites da poesia e da prosa, a crise da poesia, a desfiguração da linguagem poética, a antipoesia etc. Não por acaso, é nesse momento que Baudelaire se torna também objeto privilegiado de ensaístas e pesquisadores brasileiros. Estudaram e escreveram sobre ele, com algum grau de sistematicidade, nomes importantes e diversos da Universidade brasileira como Luiz Costa Lima, Antonio Candido, Glória Carneiro do Amaral, Raul Antelo, Marcos Siscar, Viviana Bosi, Marcelo Jacques de Moraes, Marie-Hélène C. Torres, entre vários outros.  

Esta chamada se endereça aos pesquisadores interessados em revisitar a recepção brasileira de Baudelaire nos âmbitos poético, tradutório e crítico. Serão bem-vindos artigos que proponham novas visadas sobre os primeiros baudelairianos, sobre os tempos fortes da influência do poeta francês e sobre sua apreciação crítica e historiográfica, bem como artigos que se proponham a atualizar histórica e teoricamente o debate sobre essa recepção, em especial na direção do contemporâneo. Estudos sobre a presença do poeta em outros espaços discursivos além da poesia também serão excelentes contribuições: Baudelaire no romance, na imprensa, no ensaio, na produção acadêmica, na música, entre outros temas possíveis. Além do dossiê, a revista também aceitará artigos para a seção “Varia” – em que são publicados trabalhos de temática livre – e resenhas de obras publicadas nos últimos três anos.

Data limite para submissão de trabalhos: 22 de julho de 2024.

Organizadores: Eduardo Veras (UFTM), Gilles Jean Abes (UFSC), Pablo Simpson (UNESP).