Um estranho chá e outros bichos: “Tigrela”, de Lygia Fagundes Telles, e os Estudos Críticos Animais// A weird tea and other animals: “Tigrela”, by Lygia Fagundes Telles, and the Critical Animal Studies

Naira de Almeida Nascimento

Resumo


Resumo: Conotada normalmente com o gênero fantástico, uma parte da contística de Lygia Fagundes Telles pode, contudo, ser relida pela perspectiva dos Estudos Críticos Animais. O recente falecimento da escritora, culminando também em iniciativas como a da Companhia das Letras, que fez a publicação integral de seus contos (2018), enseja a uma retomada de sua obra. A virada animal, ponto de partida das reflexões conduzidas, prima, primeiramente, por questionar a centralidade conferida ao animal humano, em particular na cultura ocidental e sobretudo a partir da modernidade. A era do antropoceno caracteriza-se justamente por esta imposição autoritária das necessidades e dos desejos humanos frente aos direitos advindos de outras formas de vida. A análise do conto “Tigrela”, de Seminário dos ratos (1977), pretende atentar para sentidos além da mera animalização contida na evocação da protagonista e, perceber na escrita de Lygia um jogo entre as figurações de animais não-metafóricas (FERRREIRA, 2005), que se aproxima de algumas realizações de João Guimarães Rosa e de Clarice Lispector. Lidos hoje pelos Estudos Críticos Animais, tanto os textos de Rosa como de Clarice elucidam uma relação possível e até desejada entre animais humanos e não-humanos, a partir de uma conscientização do papel subalterno exercido pelos não-humanos no nosso imaginário. A leitura do texto conta ainda com a fundamentação teórica baseada no conceito de devir (DELEUZE; GUATTARI, 2012) e nas apreensões do antiespecismo feminino, além das considerações críticas de Gabriel Giorgi e de Julieta Yelin.

Palavras-chave: Tigrela; Lygia Fagundes Telles; Estudos Críticos Animais; Gabriel Giorgi; Julieta Yelin.


Abstract: Usually connoted to the Fantastic genre, a part of Lygia Fagundes Telles’ short stories can, however, be reread from the perspective of Critical Animal Studies. The recent passing of the writer, also culminating in initiatives such as the one from Companhia das Letras, with the full publication of her short stories (2018), leads to a resumption of her work. The animal turnover, starting point of the lead reflections, take precedence, first, for questioning the centrality granted to the human animal, particularly in the Western culture and specially since Modern times. The Antrhopocene Epoch is characterized precisely by this authoritarian imposition of human needs and desires in the face of rights arising from other forms of life. The analysis of the short story “Tigrela”, of Seminário dos ratos (1977), intends to observe meanings beyond the mere animalization contained in the evocation of the protagonist and to perceive in Lygia’s writing a game between the figurations of non-metaphorical animals (FERRREIRA, 2005), which is close to some creations of João Guimarães Rosa and Clarice Lispector. Read today by Critical Animal Studies, both Rosa’s and Clarice’s texts elucidate a possible and even desired relation between human and non-human animals, based on an awareness of the subaltern role played by the non-human beings in our imagination. The reading of the text has also the theoretical foundation based on the concept of becoming (DELEUZE; GUATTARI, 2012) and the apprehensions of female anti-speciesism, in addition to the critical considerations of Gabriel Giorgi and Julieta Yelin.

Keywords: Tigrela; Lygia Fagundes Telles; Critical Animal Studies; Gabriel Giorgi; Julieta Yelin.


Palavras-chave


“Tigrela”; Lygia Fagundes Telles; estudos críticos animais; Critical Animal Studies.

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DOI: http://dx.doi.org/10.17851/2358-9787.32.3.305-323

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