Max Martins e a consciência crítica do Anti-retrato// Max Martins and the critical consciousness of Anti-retrato

Marcus Vinícius Lessa de Lima

Resumo


Resumo: Nos dois primeiros livros do poeta Max Martins, O estranho (1952) e Anti-retrato (1960), há um número considerável de poemas que se permitem ler como retratos e autorretratos. O problema da impossível retenção do tempo e a forma ambígua de lidar com a relação entre ausência e memória são aspectos fundamentais da prática do retrato em âmbito pictórico. No entanto, o retrato poético verbal praticado por Max Martins coloca desde o início a dificuldade de seus meios representacionais não se pautarem na figuração visual e na iconicidade. A palavra, como meio de significação, convoca a imagem enquanto imagem mental, não literal ou ótica, abrindo espaço para uma vazão simbólica ampliada, grosso modo, menos controlada que a da imagem visual. A reflexão sobre esse desnível de materiais e meios dá lugar à hipótese de que Anti-retrato não se limite a encenar um drama do tempo — ancorado no conflito entre imagens da decadência e da permanência, da morte e da continuidade —, mas que, além disso, desempenhe um papel de autorreflexão sobre a própria obra, ao projetar uma instância crítica no interior do texto poético. Desse modo, o anti- de Anti-retrato, além de afirmar a impossibilidade de cristalizar o tempo na forma geral do retrato, também viria negar um específico retrato anterior, isto é, viria manifestar um afastamento, crítico e consciente, da poética proposta em O estranho, oito anos antes.
Palavras-chave: Max Martins; retrato; autorretrato; poesia contemporânea brasileira.

Abstract: In the first two books by the poet Max Martins, O estranho (1952) and Anti-retrato (1960), there is a significant amount of poems that could be read as portraits or self-portraits. The problem of the unretainable nature of time and the ambiguous treatment of the relation between absence and memory are fundamental traits of the portrait in visual arts. However, a poetical portrait that is verbal, such as the ones written by Max Martins, raises from the very beginning some difficult questions, since its representational devices do not depend on visual figuration and iconicity. A word per se, as a means of conveying meaning, evocates an image that is mental, not literal and optical, giving way to a broader symbolical output and, roughly speaking, less controlled than that of the visual image. Reflecting on this unevenness of materials and means advances the hypothesis that Anti-retrato not only stages a temporal drama — based on conflicting images of decay and permanence, of death and continuity —, but that it also proposes some sort of the poet’s self-reflection on his own work, and it does so by projecting an instance of critical discourse inside the very own poetic text. If so, the anti- in Anti-retrato, besides reaffirming that it is impossible to crystallize time on a portrait, would also negate a previous and specific portrait when it departs, critically and consciously, from the poetics proposed eight years earlier in O estranho.
Keywords: Max Martins; portrait; self-portrait; brazilian contemporary poetry.


Palavras-chave


Max Martins; retrato; autorretrato; poesia contemporânea brasileira; portrait; self-portrait; brazilian contemporary poetry.

Texto completo:

PDF

Referências


ANDRADE, O. de. Memórias sentimentais de João Miramar. 7. ed. São Paulo: Globo, 1995.

ARRIGUCCI JR., D. A outra margem de Marahu. In: MARTINS, M. Caminho de Marahu. Belém: Ed. UFPA, 2015a. p. 13-27.

BARTHES, R. A câmara clara: nota sobre a fotografia. 7. ed. Trad. Júlio Castañon Guimarães. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2018.

BAUDELAIRE, C. A apologia da paisagem e a crítica do retrato (1846, 1859). In: LICHTENSTEIN, J. (org.). A pintura: textos essenciais. Vol. 10: os gêneros pictóricos. Trad. Magnólia Costa (coord.). São Paulo: Editora 34, 2006. p. 121-130.

CARVALHO, A. de. Ainda: em viagem: poesia. Belém: Ed. UFPA, 2015.

DIDI-HUBERMAN, G. O rosto e a terra: onde começa o retrato, onde se ausenta o rosto. Revista de artes visuais, Porto Alegre, v. 9, n. 16, p. 61-82, mai. 1998. Disponível em: . Acesso em: 13 jun. 2023.

FAUSTINO, M. Poesia-experiência. São Paulo: Perspectiva, 1976.

FERNANDES, J. M.; FERNANDES, B. Os ensaios longos do poeta-crítico Mário Faustino. Remate de males, Campinas, v. 41, n. 2, p. 569-595, jul./dez. 2021. Disponível em: . Acesso em: 14 jul. 2023.

FRIAS, J. M. Faceless books: algumas notas. Revista 2i: Estudos de Identidade e Intermedialidade, Minho, n. 1 (Especial), p. 67-80, 2019. Disponível em: . Acesso em: 01 jun. 2023.

MARTINS, M. Anti-retrato. Belém: Ed. UFPA, 2018.

MARTINS, M. Caminho de Marahu. Belém: Ed. UFPA, 2015a.

MARTINS, M. Não para consolar, Poemas reunidos: 1952-1992. Belém: Edições Cejup, 1992.

MARTINS, M. O estranho. Belém: Ed. UFPA, 2015b.

MARTINS, M. Poemas reunidos, 1952-2001. Belém: Ed. UFPA, 2001.

MORAES, E. R. O corpo e os dias. In: MARTINS, M. Anti-retrato. Belém: Ed. UFPA, 2018. p. 13-24.

NANCY, J.-L. L’Autre Portrait. Paris: Éditions Galilée, 2014.

NUNES, B. Max Martins, poeta aprendiz. In: MARTINS, M. Não para consolar, Poemas reunidos: 1952-1992. Belém: Edições Cejup, 1992. p. 17-43.

PLINE l’Ancien. Histoire naturelle — Livre XXXV. Paris: Les Belles Lettres, 1985.

PLÍNIO, o Velho. História natural (livro 35). In: LICHTENSTEIN, J. (org.). A pintura: Vol. 1. O mito da pintura. Trad. Magnólia Costa (coord.). São Paulo: Editora 34, 2004. p. 73-86.

POUND, E. ABC da Literatura. 11. ed. Trad. Augusto de Campos e José Paulo Paes. São Paulo: Cultrix, 2006.

POUND, E. ABC of Reading. Londres; Boston: Faber and Faber, 1991.

POUND, E. Literary Essays of Ezra Pound. Nova Iorque: New Directions Books, 1968.

QUEIROZ, J. F. da S. Por uma história da recepção da obra de Max Martins. Campinas: Pontes Editores, 2017.

RANCIÈRE, J. O destino das imagens. Trad. Mônica Costa Netto. Rio de Janeiro: Contraponto, 2012.




DOI: http://dx.doi.org/10.17851/2359-0076.43.69.28-54

Apontamentos

  • Não há apontamentos.


Direitos autorais 2023 Marcus Vinícius Lessa de Lima

Revista do Centro de Estudos Portugueses
ISSN 1676-515X (impressa) / ISSN 2359-0076 (eletrônica)

Licença Creative Commons
Este obra está licenciado com uma Licença Creative Commons Atribuição 4.0 Internacional

.