A reinvenção da gramática em sala de aula / The Reinvention of Grammar in the Classroom

Gustavo Augusto Fonseca Silva

Abstract


Resumo: As discussões sobre as falhas e inconsistências teóricas das gramáticas tradicionais ganharam impulso no Brasil nos anos 1980. Apesar disso, velhos problemas como definições incoerentes dos conceitos gramaticais ainda são encontrados em gramáticas recém-publicadas no país por autores como Amini Hauy, Mário Perini e Lorenzo Vitral. Em vista dessa situação, neste artigo explicita-se, com base nos textos do filósofo Ludwig Wittgenstein sobre “semelhanças de família” e nos trabalhos clássicos da psicóloga Eleanor Rosch sobre categorização, por que os conceitos gramaticais, de modo geral, não têm limites fixos nem podem ser coerentemente definidos. Além disso, considerando-se esse fato, e seguindo os princípios da pedagogia libertadora de Paulo Freire, argumenta-se que o professor de língua portuguesa nos níveis fundamental e médio deve estimular os alunos a elaborar suas próprias classificações e definições gramaticais, em diálogo com o trabalho de nossos gramáticos e linguistas.

Palavras-chave: ensino de gramática; conceitos gramaticais; categorização; pedagogia libertadora; Paulo Freire.

Abstract: Discussions on flaws and inconsistencies in traditional grammar theories grew in Brazil in the 1980s. Notwithstanding, old issues such as incoherent definitions of grammar concepts can still be found in grammar books recently published by Brazilian authors such as Amini Hauy, Mário Perini, and Lorenzo Vitral. In light of that matter, based on the work by philosopher Ludwig Wittgenstein on family resemblance and on classical works by psychologist Eleanor Rosch on categorization, this article explains why grammar concepts, generally speaking, do not have fixed limits nor can be coherently defined. Moreover, by also considering Pedagogy of Freedom by Paulo Freire, this paper argues that elementary, middle, and high school Portuguese teachers must encourage students to create grammar definitions and classes while conversing with works by Brazilian grammarians and linguists.

Keywords: grammar teaching; grammar concepts; categorization; pedagogy of freedom; Paulo Freire.




Keywords


ensino de gramática; conceitos gramaticais; categorização; pedagogia libertadora; grammar teaching; grammar concepts; categorization; pedagogy of freedom; Paulo Freire.

References


AARTS, Bas; DENISON, David; KEIZER, Evelien; POPOVA, Gergana (Ed.). Fuzzy grammar: a reader. Oxford: Oxford University Press, 2004.

BAGNO, Marcos. Gramática pedagógica do português brasileiro. São Paulo: Parábola, 2011.

BAKER, Mark. Lexical categories: verbs, nouns, and adjectives. Cambridge: Cambridge University Press, 2003. DOI: https://doi.org/10.1017/CBO9780511615047

BUNZEN, Clecio; MENDONÇA, Márcia; KLEIMAN, Angela (Org.). Português no ensino médio e formação do professor. 3. ed. São Paulo: Parábola, 2009.

CÂMARA JÚNIOR, J. M. Estrutura da língua portuguesa. 7. ed. Petrópolis: Vozes, 1976.

CÂMARA JÚNIOR, J. M. História e estrutura da língua portuguesa. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 1975.

CÂMARA JÚNIOR, J. M. Princípios de linguística geral. 4. ed. Rio de Janeiro: Livraria Acadêmica, 1964.

CASTILHO, Ataliba T. de. A língua falada no ensino de português. 7. ed. São Paulo: Contexto, 2006.

CASTILHO, Ataliba T. de. Nova gramática do português brasileiro. São Paulo: Contexto, 2010.

CEGALLA, Domingos Paschoal. Novíssima gramática da língua portuguesa. 41. ed. São Paulo: Nacional, 1998.

CHOMSKY, Noam. Aspectos da teoria da sintaxe. Coimbra: Armenio Amado, 1975.

CHOMSKY, Noam. O conhecimento da língua: sua natureza, origem e uso. Lisboa: Caminho, 1994.

CHOMSKY, Noam. O programa minimalista. Lisboa: Caminho, 1999.

COHEN, Henri; LEFEBVRE, Claire (Ed.). Handbook of categorization in cognitive science. Oxford: Elsevier, 2005.

CRYSTAL, David. English. Lingua, Amsterdam, v. 17, n. 1-2, p. 24-56, 1967.

CUNHA, Celso; CINTRA, Lindley. Nova gramática do português contemporâneo. 3. ed. Rio de Janeiro: Nova fronteira, 2001.

DIONÍSIO, Ângela Paiva; BEZERRA, Maria Auxiliadora. O livro didático de português: múltiplos olhares. 3. ed. Rio de Janeiro: Lucerna, 2005.

FRANCHI, E. P. O conflito sociolinguístico nos primeiros anos de escolaridade. In: SIMPÓSIO NACIONAL DO GT DE SOCIOLINGUÍSTICA DA ANPOLL, II., 1995, Rio de Janeiro. Anais... Rio de Janeiro: Timing Editora; UFRJ, Curso de Pós-Graduação em Letras Vernáculas, 1996. p. 117-132.

FREIRE, Paulo. Ação cultural para a liberdade e outros escritos. 2. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977a.

FREIRE, Paulo. Conscientização. Teoria e prática da libertação: uma introdução ao pensamento de Paulo Freire. São Paulo: Cortez & Moraes, 1979.

FREIRE, Paulo. Considerações em torno do ato de estudar. In: FREIRE, Paulo. Ação cultural para a liberdade e outros escritos. 2. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977. p. 9-12.

FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. 10. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1980.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 4. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977b.

GLOCK, Hans-Johann. Dicionário Wittgenstein. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998.

GONÇALVES, Carlos Alexandre. Flexão e derivação: o grau. In: VIEIRA, Silvia Rodrigues; BRANDÃO, Silvia Figueiredo (Org.). Ensino de gramática: descrição e uso. 2. ed. São Paulo: Contexto, 2016. p. 149-168.

HALLIDAY, M. A. K. Categories of the theory of grammar. Word, New York, v. 17, n. 2, p. 241-292, 1961.

HAUY, Amini B. Da necessidade de uma gramática-padrão da língua portuguesa. 2. ed. São Paulo: Ática, 1986.

HAUY, Amini B. Gramática da língua portuguesa padrão: com comentários e exemplários. São Paulo: Edusp, 2015.

HEIDER, Eleanor H. “Focal” color areas and the development of color names. Developmental Psychology, Washington, v. 1, p. 175-200, 1971.

HEIDER, Eleanor H. Universals in color namig and memory. Journal of Experimental Psychology, Princeton, v. 93, p. 10-20, 1972. DOI: https://doi.org/10.1037/h0032606

ILARI, Rodolfo. A linguística e o ensino da língua portuguesa. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1986.

JACKENDOFF, Ray. Foundations of language: brain, meaning, grammar, evolution. Oxford; Nova York: Oxford University Press, 2003.

KEENAN, E. Towards a universal definition of subject. In: LI, C. N. (Ed.). Subject and topic. New York: Academic Press, 1976. p. 303-333.

LAKOFF, George. Hedges: a study in meaning criteria and the logic of fuzzy concepts. Journal of Philosophical Logic, [s.l.], v. 2, n. 4, p. 458-508, 1973.

LAKOFF, George. Women, fire, and dangerous things: what categories reveal about the mind. Chicago; Londres: The University of Chicago Press, 1987. DOI: https://doi.org/10.7208/chicago/9780226471013.001.0001

LEMLE, Miriam. Análise sintática: teoria geral e descrição do português. São Paulo: Ática, 1984.

LI, C. N. (Ed.). Subject and topic. New York: Academic Press, 1976.

LUFT, Celso Pedro. Língua & liberdade: o gigolô das palavras. 2. ed. Porto Alegre: L&PM, 1985.

McGUINNESS, Brian. (Ed.). Wittgenstein in Cambridge: letters and documents, 1911-1951. 4. ed. Oxford: Wiley-Blackwell, 2012.

MERVIS, Carolyn B.; ROSCH, Eleanor. Categorization of natural objects. Annual Review of Psychology, [s.l.], v. 32, p. 89-115, 1981.

MOORE, T. (Ed.). Cognitive development and the acquisition of language. Nova York: Academic Press, 1973.

NEVES, M. H. Moura. Que gramática estudar na escola? Norma e uso na língua portuguesa. São Paulo: Contexto, 2003.

NOMENCLATURA GRAMATICAL BRASILEIRA. Rio de Janeiro: CADES, 1958.

OLIVEIRA, Roberta Pires de; QUAREZEMIN, Sandra. Gramáticas na escola. Petrópolis: Vozes, 2016.

PERINI, Mário Alberto. Sofrendo a gramática. 3. ed. São Paulo: Ática, 2001.

PERINI, Mário Alberto. Algumas reflexões sobre as bases teóricas da gramática tradicional. Belo Horizonte, 1984. Mimeografado.

PERINI, Mário Alberto. Gramática descritiva do português brasileiro. Petrópolis: Vozes, 2016.

PERINI, Mário Alberto. Gramática descritiva do português. São Paulo: Ática, 1995.

PERINI, Mário Alberto. Gramática do infinitivo português. Petrópolis: Vozes, 1977.

PERINI, Mário Alberto. Gramática do português brasileiro. São Paulo: Parábola, 2010.

PERINI, Mário Alberto. Para uma nova gramática do português. São Paulo: Ática, 1985.

PERINI, Mário Alberto. Sintaxe portuguesa: metodologias e funções. São Paulo: Ática, 1989.

PERINI, Mário Alberto. Subsídios à proposta curricular de língua portuguesa para o 2º grau. Secretaria de Estado da Educação; Coordenadoria de Estudo e Normas Pedagógicas; São Paulo, 1978. v. IV: Variação Linguística e Ensino de Língua Materna.

PINTO, Maria Teonilda de F. A. Critérios psicologicamente identificadores de SNs sujeitos em português. 1981. 123f. Dissertação (Mestrado em Linguística) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 1981.

PONTES, Eunice. O sujeito: da sintaxe ao discurso. São Paulo: Ática, 1986.

POSSENTI, Sírio. Por que (não) ensinar gramática na escola. Campinas: Mercado de Letras, 1996.

RAMOS, Jânia Martins. O espaço da oralidade na sala de aula. São Paulo: Martins Fontes, 1997.

ROSCH, E.; LLOYD, Barbara B. (Ed.). Cognition and categorization. Hillsdale; Nova York: Lawrence Erlbaum, 1978.

ROSCH, Eleanor. Cognitive reference points. Cognitive Psychology, Nashville, v. 7, p. 532-547, 1975a. DOI: https://doi.org/10.1016/0010-0285(75)90021-3

ROSCH, Eleanor. Cognitive representations of semantic categories. Journal of Experimental Psychology: General, Washington, v. 104, n. 3, p. 192-233, 1975b. DOI: https://doi.org/10.1037/0096-3445.104.3.192

ROSCH, Eleanor. On the internal structure of perceptual and semantic categories. In: MOORE, T. (Ed.). Cognitive development and the acquisition of language. Nova York: Academic Press, 1973. p. 111-144.

ROSCH, Eleanor. Principles of categorization. In: ROSCH, E.; LLOYD, B. (Ed.). Cognition and categorization. Hillsdale; Nova York: Lawrence Erlbaum, 1978. p. 27-48.

ROSCH, Eleanor; MERVIS, Carolyn B. Family resemblances: studies in the internal structure of categories. Cognitive Psychology, Nashville, v. 7, p. 573-605, 1975. DOI: https://doi.org/10.1016/0010-0285(75)90024-9

ROSCH, Eleanor; MERVIS, Carolyn B.; GRAY, Wayne D.; JOHNSON, David M.; BOYES-BRAEM, Penny. Basic objects in natural categories. Cognitive Psychology, Nashville, v. 8, p. 382-439, 1976.

ROSS, John Robert. Nouniness. In: AARTS, Bas; DENISON, David; KEIZER, Evelien; POPOVA, Gergana (Ed.). Fuzzy grammar: a reader. Oxford: Oxford University Press, 2004. p. 351-422.

ROSS, John Robert. The category squish: Endstation Hauptwort. In: PHARES, Gloria C. (Ed.). Papers from the Eighth Regional Meeting Chicago Linguistic Society. Chicago: Chicago Linguistic Society, 1972. p. 315-328.

SARAIVA, Maria Elizabeth. Notas sobre o conceito de protótipo e suas implicações para o ensino de gramática. Scripta, Belo Horizonte, v. 2, n. 4, p. 107-113, 1 sem. 1999.

SAVIOLLI, Francisco P. Gramática em 44 lições. 9. ed. São Paulo: Ática, 1985.

SCHNEIDER, Cristina. Tentativa de classificação dos vocábulos segundo um critério morfológico. Cadernos da PUC/RJ, Rio de Janeiro, v. 15, p. 65-77, 1974.

SILVA, Gustavo A. F. Um olhar wittgensteiniano sobre os conceitos gramaticais. 2006. 224f. Monografia (Bacharelado em Linguística) – Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2006.

SOMAVILLA, Ilse. Notas e comentários. In: WITTGENSTEIN, Ludwig. Movimentos de pensamento: diários de 1930-32/1936-37. São Paulo: Martins Fontes, 2010. p. 165-252.

TAYLOR, John R. Linguistic categorization. 3. ed. Oxford; Nova York: Oxford University Press, 2003.

TRAVAGLIA, Luiz Carlos. Gramática e interação: uma proposta para o ensino de gramática no 1o e 2o graus. 5. ed. São Paulo: Cortez, 2000.

TRAVAGLIA, Luiz Carlos. Gramática: ensino plural. São Paulo: Cortez, 2003.

TRAVIS, Lisa deMena. Lexical, functional, crossover, and multifunctional categories. In: COHEN, Henri; LEFEBVRE, Claire (Ed.). Handbook of categorization in cognitive science. Oxford: Elsevier, 2005. p. 319-346.

UCHÔA, Carlos Eduardo Falcão. O ensino da gramática: caminhos e descaminhos. Rio de Janeiro: Lucerna, 2007.

VIEIRA, Silvia Rodrigues; BRANDÃO, Silvia Figueiredo (Org.). Ensino de gramática: descrição e uso. 2. ed. São Paulo: Contexto, 2016.

VITRAL, Lorenzo Teixeira. Gramática inteligente do português do Brasil: ilustrada e com exercícios. São Paulo: Contexto, 2017.

WITTGENSTEIN, Ludwig. Investigações filosóficas. São Paulo: Abril Cultural, 1999 [1953]. (Coleção Os pensadores).

WITTGENSTEIN, Ludwig. Movimentos de pensamento: diários de 1930-32/1936-37. São Paulo: Martins Fontes, 2010.

WITTGENSTEIN, Ludwig. O livro azul. Lisboa: Edições 70, 1992.




DOI: http://dx.doi.org/10.17851/2237-2083.27.1.105-136

Refbacks

  • There are currently no refbacks.
';



Copyright (c) 2018 Gustavo Augusto Fonseca Silva

Creative Commons License
This work is licensed under a Creative Commons Attribution 4.0 International License.

e - ISSN 2237-2083 

License

Licensed through  Creative Commons Atribuição 4.0 Internacional